Nota do Autor:
Você pode pensar que ter um fundador que se torna tão associado ao seu negócio familiar e que atinge o estatuto de “ícone” é uma coisa boa. E em muitos aspectos, é. Um fundador icônico pode, por si só, promover a marca de uma forma que mais ninguém consegue. Mas na nossa experiência, a sombra de um fundador icônico pode permanecer por muito tempo depois de ele não estar mais no controle dos negócios. Uma empresa familiar pode ter tanto medo de mudar o que o fundador icônico construiu ou pensou, que evita tomar quaisquer decisões significativas. É quase como se ele estivesse na sala com eles, fazendo com que o seu ponto de vista se sobressaia sobre eles. Quando Marion e eu escrevemos este artigo, tínhamos recentemente trabalhado com uma empresa familiar que se esforçava para tomar decisões sem se deixar influenciar pela voz do fundador icônico em suas cabeças. Mas é possível manter o legado de um fundador icônico sem permitir que o seu negócio ou a sua família fiquem presos no passado. Esperamos que este artigo possa ajudá-lo a pasar pelos desafios de tomar decisões na sua empresa familiar depois de não ter mais o icônico fundador no comando.
-Ben Francois
Às vezes a imagem de um fundador é tão publicamente associada à sua empresa que raramente você se pergunta: “Quem é essa pessoa?”. Alguns, como o Coronel Sanders do Kentucky Fried Chicken, Henry Ford e Ralph Lauren se tornam algo ainda mais do que isso; eles se tornam “icônicos”.
Para muitas empresas familiares, ter um fundador icônico tem enormes benefícios. A construção da marca da pessoa constrói simultaneamente a marca da empresa. À medida que a empresa tem mais sucesso, o icônico fundador fica mais famoso e mais idealizado por seus funcionários e sua família. O que poderia haver de errado nisso?
Acontece que ter um fundador (ou líder) icônico nem sempre é uma coisa boa para a saúde do negócio no longo prazo. Embora possa ser benéfico ter um fundador icônico no comando de um negócio durante muitos anos, isso também pode fazer com que a liderança familiar para além do fundador seja muito mais desafiante. Afinal, quem pode estar à altura da imagem de um fundador verdadeiramente “icônico” que se tornou uma espécie de persona – uma representação bidimensional do negócio sem quaisquer imperfeições humanas visíveis?
Quando os fundadores se tornam ícones além do normal, sinônimo do próprio negócio, começam a ofuscar a todos e a tudo à sua volta. Pior ainda, os fundadores icônicos podem começar a acreditar na sua própria propaganda e gerar uma expectativa de padrões impossível de ser atingida pelos líderes da próxima geração. Eles podem criar uma força de trabalho “leal” que seja resistente a novas lideranças, e potencialmente até fazer com que os membros da família se afastem do negócio. Ironicamente, um fundador icônico de enorme sucesso pode involuntariamente preparar o terreno para que o seu amado negócio fracasse nas gerações futuras.
Mas fazer parte de um negócio com um fundador icônico não precisa necessariamente desencarrilhar a próxima geração se a família puder encontrar um equilíbrio entre honrar o que o “ícone” construiu e colocar seu próprio selo no negócio para ajudar a garantir que ele continuará a prosperar.
Onde os Fundadores Icônicos se Enganam
Não é raro ver empresas familiares nas quais o fundador (ou um líder familiar de última geração) desempenha um papel tão público que elas se tornam “icônicas” – suas características individuais são submersas sob uma imagem que é “preservada” como sábia, gentil, heróica, generosa, espiritual e/ou muitos outros traços idealizados. A imagem que é projetada para um público mais vasto – muitas vezes mesmo para além dos clientes da empresa – é cuidadosamente mantida e protegida por funcionários e por membros da família. Este processo de proteger a “marca” pode ter desvantagens significativas. Quanto mais poderosa a persona pública, mais pressão é sentida pela família e pela empresa para manter o fundador sobre um pedestal.
Por vezes o empresário individual é, de fato, tão sábio e bondoso como a imagem o retrata. Mas mais frequentemente, essa pessoa real é também humana. Os líderes empresariais de sucesso, icônicos ou não, cometem erros nos negócios e em suas vidas pessoais. Pior ainda, temos visto fundadores icônicos que começam a acreditar em sua própria publicidade e optam consistentemente por crescer sua imagem em vez de ajudar os outros a brilhar. Às vezes, eles mantêm seus filhos em padrões tão altos – padrões que eles pensam refletir sua “imagem perfeita” – que a próxima geração sente (com razão) que eles não podem atendê-los.
Os fundadores icônicos muitas vezes não têm empatia com os sacrifícios que outros (família, empregados) estão fazendo. Muitas vezes, eles vêem o mundo através de uma só lente, o que os leva a pressionar pelo crescimento dos negócios e pela celebridade, em detrimento de todas as outras prioridades. À medida que os membros da família procuram a aprovação do fundador icônico, ele ou ela apenas se esforça para promover uma imagem super-humana. Os mais próximos do fundador acham difícil desafiá-lo em qualquer ambiente, negócio ou família, por risco de ser ignorado pelo ícone – melhor concordar e permanecer em boas graças do que enfrentar e ser excluído.
Temos visto dinâmicas difíceis surgirem nas famílias de um fundador icônico. Quando o ícone faz exigências irracionais ou julgamentos pouco amáveis, todos se agarram à ordem – ninguém discorda. As experiências desagradáveis dos familiares (e muitas vezes dos funcionários e colegas) com o ícone são enterradas: discutir a sua dor ou criticar a pessoa é ser desleal. As falhas do fundador icônico – algumas delas graves – permanecem invisíveis.
Finalmente, os efeitos duradouros de um fundador icônico podem ir além do seu impacto na família para impedir o crescimento do negócio no futuro. O ícone pode cultivar e deixar para trás uma “força de trabalho do passado”, com funcionários leais e de longo prazo doutrinados com as formas preferidas de gestão do ícone em detrimento de novas idéias e novos líderes. Eles podem alimentar uma cultura do “sim” em vez de uma cultura que tenha pensadores independentes,afastando os membros criativos da próxima geração da família do negócio para os seus próprios empreendimentos, onde têm mais controle.
Um “Ícone” e a Sua Família
Conhecemos um desses fundadores icônicos que começou como um vendedor tagarela e carismático de pequenos utensílios de cozinha. Dale (um pseudônimo) desenvolveu sua própria linha de gadgets especializados em cozinha, que se tornou uma marca nacional com uma reputação de alta qualidade. Ele ficou conhecido na TV, aparecendo não só em anúncios de seus produtos, mas também em programas de culinária populares. Muitas vezes ele socializou com chefs famosos, e foi convidado várias vezes para a Casa Branca.
Sua própria casa, no entanto, era um ambiente menos confortável. Sua esposa ressentia-se do que via como seu foco maníaco na empresa e na imagem; ele estava ausente da família fora do trabalho a maior parte do tempo. A sua relação com os seus quatro filhos era tensa. Dois dos quatro escolheram trabalhar na empresa e se esforçaram sem sucesso pela aprovação de Dale. O pai deles dizia-lhes frequentemente que o negócio era “demasiado complicado” para eles compreenderem e que não tinham a “grande imaginação” necessária para a liderança. Os dois mais novos viviam do outro lado do país e estavam desligados do negócio e da família.
O que estava acontecendo nesta família é uma resposta típica a um fundador icônico dominante. Nas empresas familiares, existem quatro dinâmicas comuns ligadas a um fundador icônico:
A primeira resposta é a tendência da geração seguinte de julgar os outros incessantemente. Os dois filhos de Dale que trabalharam no negócio criticaram continuamente as idéias um do outro nas reuniões de administração e diretoria. Particularmente, executivos-chave e diretores externos reconheceram que os irmãos pareciam estar tentando ser como Dale para enfrequecer um ao outro. Dale, por sua vez, mal ouviu as idéias de ninguém, mas apenas falou sobre seus próprios planos para sua próxima grande jogada. Nenhum irmão parecia capaz de estender apoio ou apreço aos seus principais gestores ou membros do conselho, talvez porque nenhum deles lhes tinha sido estendido pelo seu pai.
A segunda reação familiar comum é desligar. Neste caso, os dois filhos mais novos de Dale se mudaram para o outro lado do país para trabalhar com algo não relacionado aos negócios do pai. Os amigos comentaram muitas vezes como os seus talentos poderiam ser valiosos para os seus negócios familiares, mas nenhum deles queria ter nada a ver com isso. Ao mesmo tempo, eles foram cuidadosos na forma como discutiam o pai com outras pessoas, mesmo uns com os outros. Não havia lugar seguro para falar dos sentimentos de abandono e inadequação da infância decorrentes da egocentrismo de seu pai.
Eventualmente, quando o ícone é desativado ou morre, ocorre um efeito paralisante: Os proprietários de famílias e líderes empresariais podem simplesmente parar de tomar decisões, congelando a empresa no tempo. Quando a eventual demência de Dale se tornou evidente e ele se afastou da vida pública, não havia ninguém para assumir o seu papel na tomada de decisões. Os dois irmãos que trabalhavam no negócio tornaram-se co-CEOs, mas na maioria das vezes eles não conseguiam concordar. Cada um criticou o outro por não ter a “grande imaginação” necessária para liderar ou não fazer “o que Dale faria”.
O impacto final é sobre o negócio, que pode ficar paralizado. Neste caso, a gerência e os membros do conselho assistiram impotentes à falência do negócio. Os gestores não familiares de longa data que prosperaram na empresa foram os que souberam dizer sim à Dale e não foram capazes e/ou não tiveram interesse em trazer novas ideias. Os novos e mais talentosos executivos ficaram rapidamente frustrados pela sua incapacidade de atingir os seus objetivos e logo deixaram a empresa. Não havia caminhos para fazer evoluir a força de trabalho ou a marca.
Como a Próxima Geração Pode Contrabalançar um Ícone
Quando os membros da família reconhecem as complexidades de ter um fundador verdadeiramente icônico, podem se sentir presos. Mas há medidas que você pode tomar para evitar que um fundador icônico ofusque a chance da próxima geração de crescer e se desenvolver como indivíduos em seus negócios familiares:
Em primeiro lugar, reconheça e aprecie as contribuições do fundador, mas não deixe que a sua sombra ofusque a sua identidade. Reconheça o fundador como uma pessoa dinâmica que assumiu riscos com uma carreira e com o negócio. Pense no fundador como uma inspiração, não como um constrangimento. Forje sua própria carreira com base em suas habilidades e paixões, seja dentro ou fora do negócio. Evite a tentação de ser um clone do ícone.
Em segundo lugar, olhar para a frente, não para trás. Reconheça que a sua geração terá de encontrar o seu próprio caminho. Como membros da família da próxima geração, vocês pode, ainda não estar dirigindo o negócio, mas como futuros proprietários, vocês podem começar a se comunicar, conhecer, desenvolver confiança e determinar como vocês querem ser proprietários do negócio de forma conjunta. Você não tem que estar ligado à versão do fundador de como os proprietários da família devem operar.
Em terceiro lugar, esteja preparado para evoluir. Você terá que reconhecer o impacto do ícone na família e no negócio, e ter a coragem de dizer: “Precisamos fazer isto de forma diferente”. As famílias que conseguem superar a sombra de um fundador icônico atualizam suas estratégias e impulsionam seus negócios para o crescimento. Na família, eles permitem que o “ícone” se desvaneça e, em vez disso, reconhecem o parente talentoso e defeituoso.
A família de Dale passou por tempos difíceis na era pós-Dale, especialmente a segunda geração, que nunca foi capaz de trabalhar em conjunto de forma eficaz. Felizmente, os dois irmãos que trabalharam no negócio conseguiram ao menos mantê-lo unido, permitindo à terceira geração trazer uma perspectiva empresarial renovada. Enquanto os primos se distanciavam do negócio e uns dos outros por seus pais infelizes, eles ainda sentiam uma conexão com o legado do icônico fundador. Eles começaram a fazer perguntas sobre quem era Dale e desenvolveram um interesse em conhecer melhor uns aos outros e o negócio.
Talvez não seja possível abalar a influência prepotente de um fundador icônico até a terceira geração, se eles não estiverem paralisados pela bagagem emocional de seus pais. Com novos olhos e entusiasmo, eles são capazes de se concentrar no que o negócio precisa para levá-lo adiante. As empresas familiares podem sobreviver e prosperar mesmo depois da saída de um fundador icônico.
Originalmente publicado em HBR.org, 20 de Maio de 2021.
Resumo: Não é raro ver empresas familiares em que o fundador ou líder desempenha um papel tão público que se acaba se tornando “icônico”. Muitas vezes, os efeitos duradouros de um fundador icônico podem estender-se para além do seu impacto na família, impedindo o crescimento do negócio no futuro. Um ícone pode cultivar e deixar para trás uma “força de trabalho do passado”, com empregados leais a longo prazo, doutrinados nas formas de gestão preferidas do ícone, não gerando novas ideias. Podem alimentar uma cultura de pessoas que sempre dizem “sim” em vez de pensadores independentes, afastando membros criativos da família da próxima geração do negócio para os seus próprios empreendimentos, onde têm mais controle. Quando os membros da família reconhecem as complexidades de ter um fundador verdadeiramente icônico, podem se sentir presos. Mas há medidas que podem ser tomadas para evitar que um fundador icônico ofusque a oportunidade de crescimento e desenvolvimento da próxima geração.