O que é um conflito sustentável na empresa familiar e como sabe se o encontrou?
Aqui está um questionário em 3 partes para avaliar a sua situação.
Nota do Autor:
Muitas pessoas assumem que as empresas familiares são focos de conflito. Isto é, claro, o que programas de televisão populares como Dallas e Succession nos têm levado a acreditar. Mas na nossa experiência, as empresas familiares são muito mais propensas a evitar conflitos do que a arriscar qualquer discórdia. Embora isto possa ser bem intencionado, muito pouco conflito numa empresa familiar pode ter um impacto destrutivo. De fato, o impacto de muito ou pouco conflito, tanto na família como na sua empresa, é quase idêntico. Encontrar um nível saudável de conflito não é apenas importante para o negócio, é também essencial para a família.
-Josh Baron
Olhando de fora, parecia que a família Alexander tinha tudo.
Henry Alexander, o avô e patriarca da família, tinha conseguido transformar uma pequena loja de esquina em uma cadeia nacional de lojas, líder de mercado. Não só o negócio proporcionou às duas próximas gerações um estilo de vida que parecia impossível quando Henry abriu sua primeira loja, mas o negócio ajudou a manter a família extraordinariamente próxima. Os filhos de Henry moravam próximos uns dos outros, assim como os netos, a maioria dos quais trabalhava na empresa e passava grande parte do tempo livre juntos.
Entretanto, abaixo da superfície existia outra realidade. A morte trágica de um dos filhos de Henry anos antes foi devastadora para a família. Isso os aproximou ainda mais, mas também os levou a um desejo de evitar conflitos a qualquer preço. Por que discutir se a vida é curta e valiosa? Mas isso levou os membros da família a ter tanto medo de prejudicar as relações familiares que todos se tornaram extremamente relutantes em confrontar uns aos outros – seja em questões pessoais ou de negócios. Desacordos eram rapidamente esquecidos para manter um verniz de harmonia. Essa postura teve um custo que eles só perceberam muito tempo depois.
Para a maioria das pessoas, o conflito é desconfortável. Para a maioria das pessoas, conflito é desconfortável. Isso pode ser especialmente verdadeiro em famílias que viram seus conflitos familiares despedaçarem empresas de sucesso: considere os irmãos Ambani na India, os fundadores da Adidas na Alemanha, a família Redstone nos Estados Unidos, e até mesmo as famílias fictícias do seriado da TV da década de 80, “Dallas” ou a série atual da HBO, “Succession”.
O que é pouco reconhecido é que muito pouco conflito em uma empresa familiar pode ter um impacto igualmente destrutivo. Quando eu discuto esse assunto com meus alunos da Columbia Business School, onde dou aulas sobre conflitos em empresas familiares, é rapidamente evidente que o impacto tanto de conflitos em excesso quanto de poucos conflitos, seja na família ou no negócio, são praticamente idênticos. Em ambos os casos, o negócio pode sofrer com um crescimento limitado, tomada de decisão deficiente, perda de vantagem competitiva e, em casos graves, a venda ou cisão da empresa. Da mesma forma, as famílias tendem a se dividir em facções e a ter relacionamentos pobres. Os mecanismos são diferentes, mas os resultados são os mesmos.
O conflito é um “problema de Cachinhos Dourados”. Ambas as extremidades do espectro são insustentáveis – então o melhor lugar é no meio.
O termo “Cachinhos Dourados” vem do conto de fadas com os três ursos, onde a melhor cama, sopa, etc para a menina “Cachinhos Dourados” era sempre a opção do meio. Contudo, um exemplo até melhor vem do nosso sistema solar. A Terra é localizada no que os astrônomos chamam de uma zona “Cachinhos Dourados”. Se a posição da Terra fosse muito mais perto do Sol, seria muito quente para sustentar a vida; se fosse muito mais longe, seria muito frio. Embora as razões sejam diferentes, os dois extremos tornam a vida inabitável em nosso planeta.
Pense sobre o conflito como tendo duas faces: externa e interna. A face externa de muitos conflitos é o que normalmente imaginamos: os gritos, as brigas, a manifestação externa da raiva.
A face interna de pouco conflito é diferente: é uma fervura quieta, um iceberg de emoções onde a superfície é bastante agradável, mas o perigo está logo abaixo. Entre esses dois extremos existe um equilíbrio saudável, onde questões difíceis podem ser levantadas, endereçadas e resolvidas sem causar danos duradouros a relacionamentos ou ao patrimônio familiar.
A realidade é que, a menos que os interesses de uma família estejam perfeitamente alinhados, uma ocorrência rara segundo a minha experiência, algum conflito é inevitável. Sendo assim, a prioridade deveria ser gerenciar os conflitos, e não simplesmente tolerá-los ou eliminá-los Conflitos não gerenciados aumentam, inevitavelmente.
Para as famílias que encontram-se em uma situação de excesso de conflito, o desafio é reduzir a intensidade do conflito externo para que conversas construtivas possam ocorrer. Já as famílias que limitam muito o conflito precisam aprender a discordar para liberar a pressão que se acumula internamente. Na minha experiência, o lado “muito pouco” do espectro de conflito é o mais comum entre as famílias, embora receba menos atenção da mídia. A maioria das famílias está condicionada a não brigar. Pergunte a quase todo mundo o que é mais importante para eles e para sua família, incluindo a possibilidade de passar algum tempo juntos para celebrar festas, casamentos e assim por diante. Essa pressão de ser a família perfeita que nunca discorda pode acabar por espalhar sementes da destruição pelo caminho.
A definição de um conflito excessivo (versus discordância construtiva, etc.) depende da interpretação pessoal e varia de acordo com a cultura da família. Algumas famílias podem tolerar mais facilmente conflitos externos do que outras, e a extensão com que as pessoas estoicamente deixam de lado seus interesses para apoiar a causa comum também varia.
De qualquer maneira, seguem algumas perguntas que você pode usar para descobrir se sua empresa familiar está na zona “Cachinhos Dourados” do conflito.
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- Existe satisfação geral com a direção da empresa familiar? Você pode não estar feliz sobre todos os aspectos, mas se alguém lhe perguntasse se vocês estariam “melhor juntos do que separados”, você responderia com um inequívoco sim.
- As decisões sobre questões críticas estão sendo tomadas? Pode ser que vocês não abordem todos ponto de discordância, mas todos deveriam concordar que não há um “elefante na sala”.
- As relações familiares são boas o suficiente para trabalhar e conviver? Vocês não precisam ser melhores amigos para possuírem um patrimônio em comum. Ao invés disso, vocês precisam ser bons sócios, o que significa que estão alinhados em relação aos grandes problemas e podem aproveitar a companhia uns dos outros, pelo menos na maior parte do tempo.
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No ano passado, uma amiga me encaminhou uma foto que ela tirou de uma lata da cerveja Sierra Nevada. No topo da lata está escrito “FAMILY OWNED, OPERATED & ARGUED OVER.” que, em uma tradução livre, significa: “negócio de propriedade familiar, operado e discutido pela família”. Já vi muitas empresas associarem suas marcas ao fato de serem empresas familiares, mas essa foi a primeira vez que vi incluírem o conflito nessa associação. Ken Grossman, o fundador da Sierra Nevada, diz: “É engraçado, mas é a verdade. Podemos reunir-nos e discutir sobre o que achamos melhor fazer para a empresa avançar, mas todos o fazemos de boa fé, sabendo que todos querem o que é melhor em geral”.
Se você pode dizer algo semelhante sobre sua empresa familiar, há uma boa chance de você ter encontrado a Zona de Conflito “Cachinhos Dourados”.
Se não, pode ser que você se encontre na mesma situação que a família Alexander. Ao longo dos anos, os ânimos começaram a inflar-se – não porque houvesse demasiado desacordo, mas porque se evitavam decisões importantes para não ter que lidar com potenciais conflitos. Por fim, a família decidiu vender a companhia ao invés de discutir qualquer tema que pudesse prejudicar a harmonia familiar, tais como a transição dos negócios para a terceira geração. Só que, infelizmente, as questões não discutidas não desapareceram com a venda do negócio – ressentimentos históricos permaneceram, e surgiram novos vindos daqueles que se opuseram à venda. E sem o negócio para os mantê-los juntos, a família começou a afastar-se. Cinco anos depois, muitos membros da família consideravam a venda como um erro. Tanto o negócio quanto as relações mais próximas tinham se acabado.
Ninguém pretende ter conflitos dentro de um negócio – e pior ainda, dentro de uma família. Mas alguns conflitos são de fato saudáveis. O conflito oferece uma chance de “limpar o ar” em relação a ressentimentos remanescentes, potenciais problemas, e até encontrar um processo produtivo para descordar e ainda poder tomar decisões. O bom conflito não tem que destruir uma família—bem gerenciado, pode tornar as ligações ainda mais fortes.
Originalmente publicado na HBR.org, em 26 de Dezembro de 2018.
Resumo: Muitas famílias evitam conflitos porque isso as deixa desconfortáveis. Para as famílias que possuem e gerem empresas, isto é um problema. A prevenção de conflitos leva as pessoas a evitarem conversas e decisões difíceis – mas necessárias. Em vez de evitar conflitos, as pessoas que dirigem empresas familiares precisam aprender a envolver-se em conversas difíceis, e encontrar o ponto médio entre muito e pouco conflito. Só então uma empresa familiar tem uma boa possibilidade de durar várias gerações.